Pensava ela nas coisas que tinha pra comprar, eram tantas. Uma parte por necessidade mesmo e outra por consumismo típico de quem começou a ganhar um pouco de dinheiro. Fazia as contas e, como sempre, o dinheiro não seria suficiente.
Tudo bem, seria a última vez. Pensou na casa com uma lembrança cumprida de quem sempre a frequentou. Aquela casa que tanto tempo roubou. Roubava mesmo. Entrava escolhia o que queria e pegava. A casa era abandonada há tanto tempo. A mulher que viveu por lá, lá morreu e, por alguma razão ninguém nunca havia comprado a casa, vendido ou tomado posse. Será que havia alguém tão sozinho assim no mundo ? Sempre se perguntou isso. Estava feliz, não ia passar por aquilo. Era a última vez que ia roubar coisas justamente para montar sua casa nova. Moraria agora com o namorado. Um teste para ver se dariam certo ou não, ah dariam sim. Sua empolgação a fez ir a uma loja e comprar um liquidificador de copo de vidro e uma mantegueira artesanal. Eram lindas as suas aquisições. Na mantegueira gravaram as iniciais do casal. Patético, mas comum entre os iniciantes. Era um liquidificador moderno, último lançamento. Gastara mais com ele do que podia então os copos ficaram para depois. Este depois durou até que ela se lembrou da casa. Ah, copos não são um problema, ninguém se apega a copos. Nunca pegou colares, jóias e essas coisas. Isso sabia que era desrespeito, mas copos ... brinquedos quando era criança e uma vez até um lençol ... Tudo bem, seria a última vez, ela se mudaria mesmo.
Então quando entrou na casa, pela última vez sentiu uma sensação ruim. Isto também era normal, a casa era suja, abandonada. Restos de cigarros da molecada por todo lado. Era também estranho porque não se podia ficar mais de uma hora na casa, o tempo passava e o ar ficava mais pesado, a respiração ia ficando difícil ... não duvidava que a mulher que ali morou sentisse raiva daqueles que frequentavam a casa. Mas não dela e das amigas, elas iam fumavam também, mas sempre levavam os lixos embora. Teve uma época que até cogitaram limpar a casa, mas não poder ficar mais de uma hora lá dentro dificultava tudo e, revezamento individual era pedir pra apanhar ! Quem ficaria ali sozinho ? Bem, neste dia eram só alguns copos mesmo ... Entrou. Sentiu um cheiro do mofo, dos cigarros, tinha gente na casa. O sons desses lugares são sempre inquietantes, uma pia gotejando, um gato passando, barulhos de calangos entrando em moitas ... mas já havia se habituado. Não estava com medo. Começou a mexer nos armários em busca de copos. Viu umas taças ... Bem, taças seriam ótimas ! Mas não pegaria todas, deixaria algumas. Vamos ver então, cinco copos, três taças, xícaras ? Ah, mas onde estariam os pires e pratinhos ? Em busca de pires e pratinhos ela viu algo inesperado. Com as iniciais do casal, típico de novos casais, uma mantegueira artesanal, velha, quebrada e suja ali estava ainda...
Cintia Godoi
18 de fev. de 2010
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Cintia, vc sempre me surpreende
ResponderExcluirnão me peça agora pra explicar melhor minha surpresa
pq ainda eu mesma, tenho que perceber
mas garanto que, admiro vc
mas uma vez, estou admirada, e orgulhosa
de primeira mão, so isso consigo,
há tb um sensação de medo
mas tb vejo que interessa a vc despertar isso
sua mãe