2 de ago. de 2010

Conto da Cripta: Memórias.


A tela de seu computador já era em três dimensões, havia promessas da quarta dimensão, mas a maioria das pessoas não entendia como aquilo poderia ser. Enfim, com uma tela em três dimensões e podendo tocar em todas as coisas, determinar ações com as mãos e com o movimento do rosto ela decidiu organizar suas coisas, seus arquivos.

Como era um pouco apegada ao passado escolheu o módulo biblioteca. Nesse módulo ela caminhava por corredores calmos, com luzes amareladas em que suas coisas ficariam dispostas em estantes de madeira em tom sépia e em pastas coloridas e organizadas de forma alfabética.

Assim dividiu tudo, foi mandando que o computador organizasse toda sua vida, trabalho, músicas, filmes, vídeos diversos, vídeo aulas de instrumentos, culinária, bem vestir, maquilagem ...

O computador apenas obedeceu, colocou em ordem alfabética o que na verdade era falso, já que a prioridade da vida das pessoas era bem diversa dessa ordem inventada. Se fosse para seguir a vida real seria mais fácil separar por vida pessoal por último e vida profissional à vista.

Assim, lá no fundo, empoeiradas no mundo virtual ficariam as pastas que não se amarelam naquele tempo que não passa. Nessas pastas que falsamente exibem uma cor que não se perde estariam pedaços da vida que há muito ficaram pra trás. Pessoas, momentos, músicas, paisagens que ficaram e que um dia poderiam até ser requeridas novamente, mas isso poderia demorar.

Afinal, novas paisagens chegam a cada momento soterrando as memórias e as coisas vividas. Mas, o computador e o cérebro continuam organizando tudo, por tempo, por cor, por data.

E tudo vai se apagando, sendo esquecido, até que os olhos alcancem aquelas cores emaranhadas nos corredores e, curiosos cliquem, estiquem a vista, estiquem os dedos, toquem as pastas e retomem aquela vida, a água aflora e novamente a vida se mescla com a técnica. Afinal, a tecnologia pode despertar a memória e a memória se encaixa, se recosta naqueles píxels e, descansa feliz sempre se esforçando para não ir embora, para estar ali tentando não desbotar.

cintia godoi