27 de mar. de 2012

Sou de cá.

Eu sou de onde eu nasci, disse Rosa.

E esse sentimento nos cerca, participa de tudo que somos.

Saí de Uberlândia ,e estudei mais ainda minha terra.

Fui para o Sul, vivi coisas novas, mas com a cabeça no Triângulo.

Foi preciso ir pra lá pra poder me conhecer e conhecer meu espaço.

Como quem sai do objeto para tentar enxergá-lo.

Isso é o certo? Dizem que sim, dizem que não.

O objeto não pode ser alcançado.

Ele está lá, mas está também dentro de nosso olhar.

Ele só existe porque nós o enxergamos.

Fui pra Goiás.

Um novo objeto me foi lançado.

Me apaixonei por ele também.

Mas, quando vi, era praticamente a mesma coisa.

Não era o Triângulo,

Não era Uberlândia,

Não era Rio Verde,

Era o sertão.

Era o mesmo sertão que Rosa me contou,

muito antes de eu lê-lo em dados.

Sertão de gente. De coisas. De vida, de luta, de desigualdades, de fazendas, de produção.

Caminhei por ele. Li de tudo. Histórias e causos se confundem.

Visões de sertão se misturam.

Apresento aqui a minha.

E, nela só garanto o movimento,

um vento verde passando nas palmas dos buritis,

chegando às plantações de arroz, de mandioca,

e feijão, emaranhando-se na soja e por último na cana.

Não garanto que o objeto tenha ficado estático enquanto eu o olhei.

Nem garanto que eu mesma tenha ficado na mesma posição pra olhar.

Sou como os outros daqui, garanto minha história,

é só pra qualquer um perguntar.

Cintia Godoi

Setembro de 2011.

15 de mar. de 2012

Desenhos desconhecidos.




Ela era uma desenhista razoável, seus traços eram firmes e diziam algo, mas raramente ela dominava seus próprios desenhos.

Como gostava de desenhar e pessoas eram seu alvo favoritos algumas vezes recebeu pedidos de amigos e parentes para que fizesse algumas de suas artes com modelos vivos.

Mas, nunca deu certo, nunca conseguiu desenhar seus conhecidos, tentou, se esforçou, e simplesmente não saía.

Mesmo assim continuou e colecionou por anos aqueles rostos de desconhecidos que nada diziam a ela.

Com um grande acervo começou a expor seus trabalhos e, certo dia um homem ao visitar uma exposição em uma galeria esquecida de centro de cidade ficou espantado com todos aqueles olhares.

Todos olhavam firme os visitantes, algumas características eram comuns, os olhos com olheiras, as rugas de quem envelheceu ao menos um pouco, o olhar sério, reto, nítido, de quem olha de volta aquele que o enxerga, a boca fechada de quem não pode dizer nada, o cabelo estático porque o vento não o alcança.

Em seu interior o médium teve uma certeza, aqueles desenhos eram de pessoas que existiram. Buscou ler a história dos desenhos e da artista e começou a rir sozinho.

A história era de uma menina que desenhou a vida toda esses rostos que não conhecia e mesmo assim sentia necessidade de continuar desenhando, mesmo sem saber ao certo o que queria ou onde queria chegar.

O homem entendeu o que se passava. Era uma memória do desconhecido, fotografias que eram sugeridas ao seu inconsciente que faziam o corpo agir e desenhar, retratar aquelas pessoas que queriam ser vistas, lembradas, guardadas e expostas novamente ao mundo.

Espíritos perdidos que buscavam suas famílias e amigos do tempo em que eram vivos. Mas, a maioria deles já tinha envelhecido, pois a passagem dos mundos não era algo fácil para quem não o aceitava e entendia. E assim, a menina os desenhava da maneira que estavam, e não da maneira como eram enquanto vivos. Ninguém os reconhecia. Ninguém os reconheceria com tanta certeza.

Uns até pensavam - nossa aquele rosto me lembra alguém, é como se fosse ele mais velho um pouco, nossa, ele se foi tão novo, como pode ?! – e seguiam adiante.

O homem, que era um médium, pensou em procurar aquela menina e lhe dizer que não eram apenas desconhecidos e imaginários. Anotou o nome da artista, analisou novamente os rostos, teve certeza de que era o que pensara anteriormente. Decidiu-se que ia de fato procurar a moça e lhe explicar. Não se tratava de uma moça jovem, ela podia aceitar e entender melhor o que lhe ocorria. De repente aquela informação poderia até levar um pouco de paz à sua mente, através da compreensão do que lhe acontecia.

Deixou a exposição, dirigiu, lembrou-se de que devia comprar coisas para o café da tarde. Parou em uma padaria, escolheu os itens, lembrou-se de cada pessoa de sua família, do que elas gostavam, do que gostariam de tomar no café. Pagou a conta. Voltou ao carro, demorou-se mais de uma hora no trânsito até sua casa.

Após todo o ritual para chegar a sua casa o homem se deitou, descansou um pouco, cochilou e seus filhos o chamaram para tomar café. Levantou-se tomou café, todos conversaram sobre seu dia, viram um filme, o jornal da noite e foram dormir.


Cintia Godoi