28 de jul. de 2011

Eles e nós.

Entrou em casa, passou por todas as portas com suas senhas e câmeras de reconhecimento. Tudo muito seguro e sofisticado.

No sofá da sala pequena ele estava deitado, mexendo em aparelhos.

Configurava, testava, mexia, autorizava, futricava.

Mas, sempre falava com o servidor, e ele respondia. Ele? Não, nosso servidor tinha sido modificado para ser uma mulher. Era uma voz de mulher, tinha inclusive nome.

Muitas vezes ele falava mais com ela do que com outros. Ela lhe dava notícias da casa, das plantas, dos orçamentos, dos consertos, das compras que tínhamos que fazer. Enfim ...

Passou pelo sofá, se beijaram. Seguiu para o quarto, trocou de roupa. Se deitou. Em dúvida entre aparelhos e, cansada, ficou um pouco consigo mesma. Podia escolher entre leitura, vídeos. Nenhum dos dois.

Pensou novamente: nenhum dos três.

O namorado ficara na sala, e ali ainda ficaria muito tempo mexendo nas coisas, consertando, testando e arrumando e, falando com ela – a voz.

Sentiu algo estranho no peito e no estômago. Uma ardência, um calor, talvez até uma vermelhidão. Sentiu em seu peito uma sensação que lhe apertou, expandiu a ardência e diminuiu. Vivenciou uma certa raiva. Virou bruscamente na cama, tentou uma leitura para se distrair.

Sensações não passam fácil. O que era aquilo?

Sabia o que era, mas não queria sentir, era patético demais. Aliás, o que haveria de ser pior? Seu ciúme ou aquela paixão?

As sensações percorriam os corpos na casa, eles se aqueciam, esfriavam, retorciam, os estômagos reclamavam, de fome, de confusão. Os cérebros se agitavam e se acalmavam. E, enquanto isso os objetos – incrivelmente responsáveis por diversas daquelas sensações - apenas refletiam em metal escovado, em cor piano, em vermelho encerado, os corpos que tanto despendiam energia em vão.

Cintia Godoi