6 de set. de 2011

Os becos de Goiânia.

A cidade está grande demais.

Ela dorme e acorda com movimento.

Até pouco tempo atrás, quando havia feriado, havia também um pouco de sossego.

Agora não há mais.

Mas, também não é tão frenética quanto outras.

Há dias e horários em que se pode parar, pensar, mudar de faixa, se dar ao luxo de até cometer erros, se perder.

Ouvi dizer que Goiânia foi feita para as pessoas se perderem.

É assim que ela seduz seus caminhantes. Com becos, esquinas em que vacilamos olhando, esticando o pescoço pra ver se dá pra ver algo, uma placa “rua sem saída”.

Todos se perdem. E descobrem coisas, lugares. Quadras esportivas, abandonadas e ativas. Jardins, vagas, estacionamentos que salvam noites.

Foi planejada. Mas, por que os becos? Por que tantos? Seria uma homenagem à Goiás, a antiga capital?

Planejamento de cidade que não flui, nunca vi, só aqui.

Ouvi dizer que os becos não estavam nos planos. Apareceram. Surgiram. Como uma cidade que viva, muito viva, escolhe os caminhos daqueles que ousam, ou que erram.

Há histórias desses lugares. Como houve e ainda há em Goiás. Nos tempos de aperto, de decadência do ouro, os becos que viviam amores, e experimentação da vida, passaram a viver um lado mais sombrio dos caminhantes. Promessas e rituais eram feitos em troca de melhoria e prosperidade.

Um corte arqueológico fino, uma fatia superficial mostraria isso. As velas queimadas, os líquidos diversos, secreções e excreções que engrossaram o chão de pedra desses lugares.

Goiânia vive a pujança. Os becos conhecem de tudo. Mas, ainda são mais floridos do que sombrios. Os becos desta convidam. De dia ao sorriso ou mau humor de quem se perdeu, de noite ao sorriso diverso e ao incerto.

A arqueologia do hoje, a geografia, deixa enxergar o que há por lá.

Flores, seringas, bitucas, garrafas, árvores, sapatos, pontas. Tudo cercado, uma saída apenas.

Juntos, objetos que nos dão pistas dos caminhantes das cidades. Eles vivem. Vão de um extremo a outro. Experimentam tudo, todas as sensações. Curiosos e protegidos pela intimidade do beco, os cidadãos cumpriram o que a cidade queria. Ela fez os caminhantes se perderem, ousarem, viverem. É disso que ela vive.

E o beco criado, filho da cidade, seu brinquedo e laboratório, multiplica o ímpeto dos caminhantes, potencializa o que quer que eles queiram ou se sintam impelidos a fazer.

E a cidade sorri. Mesmo que não esteja sadia. E, já foram algum dia?


Cintia Godoi